A Reparação e o Coração de Jesus
Publicado em 6 de julho de 2012 \\ Artigos
Há certas palavras que são fruto de uma época e, muitas vezes, não são mais compreendidas quando fora de certo contexto. Uma dessas palavras é REPARAÇÃO, no contexto da devoção ao CORAÇÃO DE JESUS. O contexto onde esta palavra surgiu, não é mais o mesmo, porém, na ausência de uma palavra mais adequada, continuamos utilizando-a. Muitos acham que o sentido de tal devoção é ultrapassado e muito dolorista ou juridicista. Isto é, entendem que, quando se fala de Reparação, estamos falando que temos que “consolar” e “refazer” “consertar”, “dar satisfação” a Deus por nossos erros. Deste modo, Deus seria um juiz implacável e que por nossos atos reparadores (nosso esforços) poderíamos aplacar a sua ira. Muitos aspectos da devoção ao Coração de Jesus precisam ser repensados e redescobertos.
Como já dissemos, as palavras são perigosas, porque sempre reduzem e empobrecem a grandeza da coisa a ser expressa. Com certeza, não é esse o conceito que as sagradas escrituras, Santo Agostinho, São Francisco, Santa Margarida Maria, Santa Teresa de Ávila e outros tantos queriam nos ensinar, ou seja: “o Amor não é amado”.
Esse é o sentido mais profundo da REPARAÇÃO em nossa devoção ao Coração de Jesus. Já sabemos que a devoção ao Coração de Jesus é uma síntese do amor de Deus. Na primeira carta de João, 4,8 lemos: “Deus é amor”. Portanto, Jesus sendo a imagem do Deus invisível (Cl1, 15) é o amor ao alcance de nosso coração humano. Tudo o que viveu, anunciou e sofreu por nós é a expressão mais genuína desse amor incomensurável de Deus. E Ele nos amou até o fim, ou melhor, pela ressurreição Ele destruiu o que seria o nosso fim: a morte. Portanto, ousamos dizer que Ele nos amou além do fim. Quando o Pai ressuscita Jesus, temos a certeza de que o amor triunfou. Mas, esse AMOR que tanto amou o mundo, como diz Santa Margarida Maria, tantas vezes só recebe ingratidão. Ou nas palavras de São Francisco e de Santa Teresa: “o Amor não é amado”.
Poderíamos nós REPARAR um pouco essa “dor do AMOR”. Poderíamos oferecer algo para aplacar esse grito de Jesus na Cruz: “tenho sede”? Seria um desperdício derramar, em oferenda, nossas dores, sofrimentos e sacrifícios aos pés de Jesus? Qual o sentido do sofrimento do dia a dia? Por que Jesus sofreu? Como completar em nossa carne o que faltou em sua paixão? Poderia ter faltado algo em tão perfeito sacrifício redentor? Enfim, uma multidão de perguntas nos levam ao encontro da questão da Reparação.
Deus não pode padecer, nos lembra o venerável são Bernardo de Claraval, mas, pode se com-padecer. Isso Ele fez quando assumiu nossa humana condição e por nós viveu e morreu apaixonadamente. Isso Ele continua fazendo quando abraça cada coração humano e sua miserável condição, principalmente nos que mais sofrem e são excluídos. Entendo a Reparação como nossa resposta de amor ao AMOR que nos criou, nos salvou e nos chama, constantemente, à santificação. Deus não busca explicar o amor, ama. Não procura explicar a razão do sofrimento, sofreu conosco e por nós, e assim, nos ensinou a romper com a espiral da violência, do ódio e de tudo que gera o verdadeiro sofrimento: a desumanização.
Entendo a Reparação como um sacrifício de amor. Isso quem me ensinou foi dona Laura e o Padre Romeo, num quarto de hospital, recebendo tratamento quimioterápico. Enquanto a medicação, gota a gota, penetrava as veias dos dois pacientes, falávamos sobre a vida, seu sentido e o porquê de tantos sofrimentos.
Dona Laura, tomada pela fraqueza, falava baixinho, mas o suficiente para que eu entendesse o sentido de sua esperança, força e vontade de lutar. Dizia ela: “graças a Deus entendo melhor agora o que é um sacrifício. Ultimamente, não posso falar muito de Deus. Muitas vezes, acho que não consigo nem rezar quando aperta a dor… Mas, minha missão tem sido oferecer um ofício sagrado: minha dor e meu sofrimento ao Coração de Jesus!”
Nessa hora pensei o que, por Cristo, com Cristo e em Cristo, rezamos em cada eucaristia: “Receba, Senhor, por suas mãos, este sacrifício, para a gloria de seu nome, para o nosso bem, e de toda a santa Igreja!” Quanta humanidade escondida na fragilidade física de cada um deste pacientes. Pensei sobre o quanto o mundo precisa de gente humana e humanizadora assim, e no verdadeiro sentindo da eucaristia. Um Deus que se dá por amor e que aceita nosso amor como oferenda, também. Esta oferta gera comunhão!
Esta oferta é Reparação! Creio que podemos sim “oferecer” os pequenos sofrimentos do dia a dia, que nos ferem, com frequência, dando-lhes assim um sentido. O que significa “oferecer”? Assim, como para o Padre Romeo, dona Laura e tantos, “oferecer-se” é estar convencido de “poder inserir no grande “com-padecer de Cristo os seus sofrimentos diários”.
Lembrei, ainda, o que sempre diz nosso querido Papa Bento XVI: “Sofrer com o outro, pelos outros; sofrer por amor da verdade e da justiça; sofrer por causa do amor e para se tornar uma pessoa que ama verdadeiramente: estes são elementos fundamentais de humanidade, o seu abandono destruiria o próprio homem.” Repitamos mais uma vez: “a capacidade de sofrer por amor da verdade é medida de humanidade.”
A misericórdia e a acolhida são gestos profundos que Jesus nos ensina para resgatar a dignidade do ser humano. Nos evangelhos vemos Jesus devolver à pessoa sua dignidade. A reparação e expiação, nesse sentido, nos dão uma alegria pascal: a esperança de que podemos ser mais integrados, mais humanos e humanizadores. Solidariedade, acolhida, compaixão … Jesus se comovia com o sofrimento do outro. Mover-se com o outro para que ele, à luz da graça de Deus, possa entrar no processo de humanização. Reparação é acolher o próximo e ter os mesmos sentimentos de Cristo.
Entendo, também, que a solidariedade e a doação livre, muitas vezes, da própria vida, como os mártires, em favor dos pequenos, da justiça, da paz e de um mundo mais fraterno, é também comunhão no amor e resposta de amor: Reparação! Aliás, não nos esqueçamos de que esse é o grande critério de nossa salvação, segundo o evangelho de são Mateus, capítulo 25: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”. Na sede, fome, nudez… do pequeno, Deus aí está! Oferecer um copo de água ao pobre é matar a sede de Deus. Que mistério! A solidariedade é Reparação
Lembremos, mais uma vez nosso papa, na encíclica Spe Salvi: “Deste modo, também as mesmas pequenas moléstias do dia-a-dia poderiam adquirir um sentido e contribuir para a economia do bem, do amor entre os homens. Deveríamos talvez interrogar-nos se verdadeiramente isto (esta devoção) não poderia voltar a ser uma perspectiva sensata também para nós?”
Como Francisco de Assis, Tereza de Ávila, Júlio Chevalier e tantos outros, nunca nos cansemos de gritar, por toda a parte: Amado seja o AMOR, amado seja o Sagrado Coração de Jesus! Eternamente!
Pe. Benedito Ângelo Cortez, é Missionário do Sagrado Coração e trabalha como Mestre de Noviços
EMANUEL ARAUJO CRISTAO=GARANHUNS
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