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Horror ao pecado Os seus
pais perceberam logo o horror que Margarida Maria tinha pelo pecado quando ainda
era pequena de três anos. Bastava lembrar-lhe que um ato qualquer ofendia a Deus
para que a menina se afastasse horrorizada. Nas suas memórias a Santa afirma que
Deus lhe fez ver “o grande horror do pecado, o que me horrorizou tanto que a
mais mínima mancha resultava para mim num tormento insuportável.” (1)
A
essa aversão ao pecado acrescentou-se logo um agrado muito grande pela oração e
pela penitência, juntamente com uma tendência enorme para ajudar os pobres.
“Deus, escreve a Santa, deu-me um amor tão terno pelos pobres que eu teria
desejado só ter contato com eles. Ele incutiu-me uma compaixão tão grande pelas
suas misérias que, se estivesse em meu poder, abandonaria tudo por eles. Quando
tinha dinheiro, dava-o aos pobres para os estimular a aproximarem-se de mim e
então ensinava-lhes o Catecismo e a rezar.” (2)
Dos quatro aos sete anos,
ou seja entre 1652 e 1655, seguindo um costume comum na época, foi morar no
castelo de sua madrinha, Madame de Corcheval, dama nobre da região. Ali, num
ambiente sereno e austero, começou a sua formação.
Duas senhoras
ocupavam-se da sua educação. Uma era simpática e gentil. Margarida Maria, porém,
fugia dela. A outra era severa e impertinente. Curiosamente Margarida sentia
atração por esta última. Ninguém conseguia compreendê-lo. Mais tarde perceberam
que este fato era mais um sintoma de que a proteção divina pairava sobre a
menina. A primeira senhora levava uma vida irregular; a segunda era de uma
conduta sem mancha. Nisto se manifestava o seu horror instintivo ao
pecado.
A sua educação teve de ser interrompida quando morreu Madame de
Corcheval. A sua afilhada tornou à casa paterna. Mas em 1655, no mesmo ano da
morte de sua madrinha, falece também o seu pai. A mãe, com o objetivo de
melhorar a situação patrimonial que o marido deixara complicada, e não dispondo
do tempo necessário para providenciar a educação da filha, mandou-a como
pensionista para um convento de Clarissas, o que era muito freqüente
então.
No silêncio dos claustros, refletindo durante longas horas no
recolhimento e observando a modéstia e o espírito de oração das irmãs, Margarida
sentiu o chamamento à vida religiosa. Foi ali onde, por volta dos nove anos,
recebeu pela primeira vez Jesus Sacramentado. A partir de então, as graças na
oração e o seu gosto pelo recolhimento aumentaram sensivelmente.
A jovem
Margarida Maria tinha de completar junto às Clarissas a educação que recebia
habitualmente uma menina de sua condição para ser mãe de família e também dama
de sociedade. Isto significava uma sólida formação moral, na qual se punha
especial cuidado nos hábitos de modéstia, discrição e domínio de si
mesma.
Tal educação completava-se com o ensino da arte da conversa,
música, pintura, dança... que desenvolviam a delicadeza, o tato, o bom gosto.
Dessa forma florescia nas pensionistas o sentido da proporção, da naturalidade
bem educada, ao mesmo tempo que recebiam uma capacidade de julgar as pessoas e
os fatos.
Judiciosa, sensata e
caritativa O seu espírito equilibrado e alguns traços da
educação recebidos por Santa Margarida Maria foram entendidos mais tarde pela
Madre Greyfié, uma das suas superioras em Paray-le-Monial, que a descreveu
assim: “Era naturalmente judiciosa, sensata e tinha um espírito bom, humor
agradável e o coração mais caritativo que se possa imaginar; numa palavra pode
dizer-se que era uma criatura das mais aptas para ter êxito em tudo.”
(3)
No pensionato das Clarissas, Margarida Maria contraiu uma doença
grave, pelo que foi preciso reenvia-la à casa da mãe. Ali permaneceu cerca de
quatro anos prostrada na cama, sem conseguir levantar-se. Deus Nosso Senhor
visitava-a com o sofrimento. Só em 1661 recuperou a saúde depois de fazer um
voto à Santíssima Virgem.
Na sua casa, outra situação muito dolorosa a
aguardava. Sua mãe tinha transferido a gestão do patrimônio a um cunhado,
Toussaint Delaroche, homem avaro e de temperamento irritável. A Santa suportou
durante anos a quase escravidão a que a submetiam as injustiças do tio. Às vezes
tinha de mendigar pão ao vizinho. A casa materna transformou-se então numa
prisão torturante. “Não tínhamos já nenhum poder em casa e não ousávamos fazer
nada sem seu consentimento”, escreveu a Santa. Passava horas num canto do jardim
a rezar ou refugiava-se na capela da aldeia. Mas nem sequer lá encontrava
repouso: o tio acusava-a de sair de casa para ver os rapazes. “Às vezes os
pobres da aldeia, por compaixão, davam-me um pouco de pão, de leite ou alguma
fruta na parte da tarde”. (4)
Reparação,
desagravo, amor à Cruz Deus permitia esses sofrimentos
para a preparar para a vida de renúncia e expiação que depois abraçaria com
entusiasmo. Santa Margarida Maria devia pregar a devoção da reparação o do
desagravo ao Sagrado Coração de Jesus; precisava ser um modelo dessa atitude
de alma. Os sofrimentos desta etapa da sua vida, aceites com paciência exemplar,
fortificaram-na para a vida de reparação que a Providência tinha escolhido para
ela. Durante este período a Santa recebeu graças místicas extraordinárias. Além
disso, já desde muito pequena, teve um trato muito familiar com Nosso Senhor.
“(O Salvador) sempre estava presente sob a figura do crucificado ou do Ecce
Homo a carregar a Cruz, o que me produzia tanta compaixão e amor ao
sofrimento, que todos os meus sofrimentos pareciam leves em comparação com o
desejo que experimentava de sofrer para me conformar com o meu Jesus sofredor.”
(5)
Tal compreensão do valor do sofrimento na vida espiritual foi
crescendo nela e será uma das características da sua santidade. Mais tarde, já
visitandina, esta pioneira dos caminhos de Deus, dirá: “Deus deu-me tanto amor à
Cruz que não consigo viver um momento sem sofrer: mas sofrer em silêncio, sem
consolo, alívio ou compaixão; e morrer com este Soberano da minha alma, sob o
peso de toda sorte de opróbrios, dores, humilhações, esquecimentos e
desprezos...” (6)
O amor à Cruz foi característico em Santa Margarida
Maria e é também condição indispensável de qualquer forma de santidade:
“Jesus disse então aos discípulos: se alguém quiser vir comigo, renuncie a
si mesmo, tome sua Cruz e siga-me.” (Mt. 16,24)
Provações familiares
A sua
família, de início, quis encaminha-la para um convento de Ursulinas onde já
vivia uma prima. Santa Margarida Maria – que era muito afeiçoada a essa prima,
deu-lhe uma resposta gentil em que transparece o seu grande desejo de perfeição:
“Olha, se entro no teu convento será por amor a ti. Mas quero ir a um convento
onde não tenha parentes nem conhecidos para ser religiosa só por amor a Deus.”
(7)
Uma voz interior tinha-lhe advertido: “Não te desejo lá, mas em Santa
Maria”, que era o nome do convento de Paray-le-Monial. (8)
Entretanto as
pressões familiares para que optasse pelas Ursulinas continuavam. Mas uma doença
da mãe e também de um irmão, forçaram-na a prolongar os seus planos de vida
religiosa.
Numa certa altura, um sacerdote franciscano hospedou-se na
casa dos Alacoque durante uma missão. Santa Margarida Maria aproveitou a ocasião
para fazer uma confissão geral. Ao conhecer o alto grau de virtude e os desejos
de vida religiosa da jovem, o padre julgou que devia seguir a sua vocação. O
religioso falou com o irmão e convenceu-o a mudar de atitude. A prova em casa
acabava. Outras cruzes, mais dolorosas, viriam no Convento da Visitação de
Paray-le-Monial, aonde foi ter em seguimento de uma clara inspiração da
Providência.
A nossa Santa foi ali aceita como noviça a 20 de Junho de
1671; vestiu o hábito a 25 de Agosto do mesmo ano e fez a profissão solene a 6
de Novembro de 1672. Assim ficava preparado o quadro para a mensagem do Sagrado
Coração de Jesus.
A missão de Santa
Margarida Maria Alacoque Em 1647, quando nasceu Santa
Margarida Maria, a devoção ao Sagrado Coração não era muito conhecida, se bem
que já existia. A sua missão foi dar-lhe um impulso e uma difusão universal,
precisar o seu espírito, adapta-lo às necessidades da Igreja nos tempos modernos
e fixar as práticas de piedade mais adequadas às novas
circunstâncias.
Santa Margarida Maria foi uma simples freira que nunca
transpôs os muros do seu convento e morreu antes de completar 45 anos, em 1690.
A Providência compraz-se deste modo em realizar um desígnio imenso a partir de
uma humilde religiosa que, para fugir do mundo, tinha-se retirado a um obscuro
convento da Ordem da Visitação e levou ali uma vida apagada aos olhos dos homens
e até das freiras visitandinas com as quais convivia.
O quadro hoje é
completamente diverso. Ornato da Ordem da Visitação, a religiosa então apagada
foi elevada ao ápice de glória na Igreja e, do alto dos altares, da sua
santidade despede raios de salvação à terra inteira, enquanto a maioria dos
homens famosos e importantes da sua época são desconhecidos pelos nossos
contemporâneos.
O Papa Pio XII, depois de fazer a lista dos Santos que a
precederam na prática e difusão da devoção ao Coração de Jesus, diz a este
propósito: “Mas entre todos os promotores desta excelsa devoção, merece um lugar
especial Santa Margarida Maria Alacoque que, com a ajuda do seu diretor
espiritual, o Beato Cláudio de la Colombière (hoje santo) e com o seu zelo
ardente, obteve, não sem a admiração dos fiéis, que este culto adquirisse um
grande desenvolvimento e, revestido das características do amor e da reparação,
se distinguisse das demais formas da piedade cristã.” (9)
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