sábado, 31 de março de 2012

Consolo de Nosso Senhor e devoção eucarística



Interior da Basílica de Paray-le-Monial
Margarida procurava seu consolo na oração. E o próprio Nosso Senhor quis ser seu mestre: “Mandava-me prostrar-me humildemente diante de Si, para lhe pedir perdão de tudo aquilo em que O tivesse ofendido”.
Posta assim na presença do Senhor, Ele “tão fortemente absorvia o meu espírito, embebendo em Si a minha alma e todas as minhas potências, que não cometia distração alguma; pelo contrário, sentia o coração consumido em desejos de O amar. E daqui me nascia uma fome insaciável da Sagrada Comunhão e de sofrimentos”.
A maior possibilidade de união com Nosso Senhor, que Ele nos deixou na Terra, é a que se dá na Sagrada Comunhão, na qual recebemos verdadeiramente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo. Daí a “fome insaciável” que Margarida sentia da Sagrada Comunhão, encontrando diante do Santíssimo Sacramento todas as suas delícias. Ali sentia-se “tão absorta, que nunca me aborrecia. Ali passaria dias e noites inteiras sem comer nem beber, e sem saber o que fazia, consumindo-me em sua presença como uma tocha acesa, para pagar-lhe amor com amor”.(10)
Provada nas seduções do mundo e convidada pela graça
Primeira capela dedicada ao culto do Sagrado Coração, nos jardins do mosteiro
Em 1663 Margarida iria sofrer um rude golpe. Seu irmão mais velho, João, tendo acabado os estudos em Charolles, estava pronto a iniciar sua carreira de notário quando, aos 23 anos de idade, foi ceifado pela morte.

O segundo irmão, Carlos Felisberto, tendo concluído igualmente os estudos, voltou para casa. Ele e a mãe conceberam então o plano de casar Margarida, já com 17 anos. A família Alacoque era bem relacionada e estimada em toda a região. E Margarida, sem ser rica, tinha o suficiente para um dote digno. Ainda que não se destacasse por especial formosura, não deixava de ter certos atrativos, sobretudo de espírito.
A pressão que fizeram sobre a adolescente foi terrível. “Por fim, o terno amor da minha extremosa mãe começou a prevalecer. [...] Comecei então a olhar para o mundo e a adornar-me para lhe agradar, procurando divertir-me quanto podia”.
Mas, se ela era persistente em sua falta, Nosso Senhor era persistente em sua misericórdia: “Depois, à noite, quando tirava aquelas malditas librés de Satanás, isto é, os vãos enfeites, instrumentos da malícia dele, aparecia-me o meu soberano Senhor, como na flagelação, completamente desfigurado, fazendo-me terríveis queixas: que as minhas vaidades o tinham reduzido àquele estado; que eu perdia um tempo tão precioso, de que Ele me havia de pedir rigorosa conta à hora da morte; que o atraiçoava e perseguia, depois de Ele me ter dado tantas provas de amor e me ter mostrado todo o seu desejo de que eu me tornasse semelhante a Ele”.
Novos sofrimentos e ação da divina misericórdia
A cena era pungente. E a alma de Margarida não era insensível a tantas graças: “Tudo isto se imprimia em mim tão fundamente, e me fazia tão dolorosas feridas no coração, que eu chorava amargamente; ser-me-ia muito difícil explicar tudo quanto sofria e se passava em mim”.(11) Para compensar, entregava-se ela às mais terríveis penitências.
E eis que faleceu quase repentinamente, em 25 de setembro de 1665, Cláudio Felisberto, também na idade de 23 anos. Foi nova provação para a família. Só restavam, além de Margarida, Crisóstomo, o penúltimo, e Jaime, o caçula, que queria seguir a carreira eclesiástica.
Narra Margarida: “Estando como engolfada num abismo de espanto, por ver que tantos defeitos e infidelidades minhas não eram capazes de O afastar de mim, deu-me o Senhor esta resposta: ‘É que me apraz fazer de ti como que um composto do meu amor e das minhas misericórdias’”.(12)
Correspondendo à graça, define sua vocação
A intimidade com que Nosso Senhor lhe aparecia e falava é de pasmar. Ela como que vivia na presença perceptível de Deus.
Entretanto, “porque era muito débil”, Nosso Senhor pediu consentimento para se assenhorear de sua liberdade. “Não pus dificuldade nenhuma em consentir; e desde então [Nosso Senhor] apoderou-se tão fortemente da minha liberdade, que nunca mais gozei dela em todo o resto da minha vida”.(13)
Isto, é claro, é um modo de dizer, pois Deus não tira a ninguém o livre arbítrio. O que na realidade se dava é que Nosso Senhor fortificava de tal modo a sua vontade, por meio de graças especiais, que esta já não vacilava. O que corresponde ao máximo grau de liberdade, que é o conformar a própria vontade livre com a soberana vontade de Deus. Livres, verdadeiramente, não são os que pecam, mas os que, podendo fazê-lo, não o fazem.

Margarida resistiu durante três anos às pressões que lhe faziam para casar-se. Com o auxílio de um missionário que pregava missões na região, conseguiu finalmente convencer Crisóstomo e a mãe de que seu lugar era no convento.
Entrada no convento e novos sofrimentos
Corredor do claustro do mosteiro, onde a Santa costumava executar trabalhos
No dia 25 de agosto de 1671, festa de São Luís Rei, ela tomou o hábito de noviça: “Estando já revestida do nosso santo hábito, meu divino Mestre fez-me ver que era chegado o tempo dos nossos esponsais, que davam a Ele novo domínio sobre mim e me traziam dobrada obrigação de O amar com amor de preferência”.(14)
Margarida banhava-se em lágrimas, cuja razão ninguém sabia explicar, parecia afogueada e meio fora de si; quebrava as coisas, e parecia incapaz de qualquer serviço.
Ora, essa via mística não era própria do convento da Visitação. Por isso, outras religiosas apontavam-lhe o comportamento como singular, e as superioras ordenavam-lhe que se conduzisse como todas as outras, sob pena de não admiti-la à profissão, o que causava grande perplexidade à noviça e era nova fonte de sofrimentos.
 “Eu te farei mais útil à Religião do que ela pensa”
A aparição representada em vitral
Mudara a superiora na Ascensão de 1672. A nova era Madre Maria Francisca de Saumaise, professa do mosteiro de Dijon, que havia sido dirigida desde seus primeiros anos pela própria Fundadora da Visitação, Santa Joana de Chantal. Havia entrado para a Visitação em Dijon aos 10 anos de idade, para ali proceder à sua educação; aos 15 anos era noviça, e no ano seguinte fez a profissão.
Ela decidiu favoravelmente sobre a profissão da Irmã Margarida Maria.
Quando esta transmitiu-lhe uma mensagem de Nosso Senhor, a Madre mandou-lhe que Lhe pedisse, como sinal de que era realmente Ele que falava, que a tornasse útil à comunidade pela prática de suas regras.
“A isto – diz Margarida Maria – respondeu-me o Senhor em sua amorosa bondade: ‘Pois bem, minha filha, tudo isto te concedo; e eu te farei mais útil à Religião do que ela pensa, mas há de ser de uma maneira que até agora só eu sei; de hoje em diante acomodarei as minhas graças ao espírito da tua regra, à vontade de tuas superioras e à tua fraqueza; assim terás por suspeito tudo o que se apartar da exata observância da tua regra, que eu quero prefiras a tudo o mais”.(15)
Vítima do Sagrado Coração de Jesus
“Eu procuro uma vítima para meu Coração, a qual queira se sacrificar como um hóstia de imolação para o cumprimento de meus desígnios” - Santinho representando a Santa quando ainda Bem-aventurada
Algum tempo antes dos exercícios espirituais, Nosso Senhor apareceu a Margarida Maria e lhe disse: “Eu procuro uma vítima para meu Coração, a qual queira se sacrificar como uma hóstia de imolação para o cumprimento de meus desígnios”. Ela se prosternou e lhe apresentou “diversas almas santas que correspondiam fielmente a seus desígnios”. Nosso Senhor lhe respondeu: “Não, eu não quero outra senão tu”.
Margarida protelava entretanto o pedido de permissão à Superiora: “Mas era em vão que eu lhe resistia, porque Ele não me deu repouso até que, por ordem da obediência, eu fosse imolada a tudo o que Ele desejava de mim, que era de me tornar uma vítima imolada a toda sorte de sofrimentos, de humilhações, de contradições, de dores e de desprezos, sem outra pretensão senão cumprir seus desígnios”.(16)
Fez sua profissão no dia 6 de novembro de 1672. Como uma esposa, Margarida deveria participar agora, de um modo mais direto, dos interesses de seu divino Esposo, que a preparava para a grande missão de sua vida: receber e propagar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
“Meu Coração está abrasado de amor pelos homens”
Estando diante do Santíssimo Sacramento no dia 27 de dezembro de 1673, Nosso Senhor lhe disse: “Meu divino Coração está tão abrasado de amor para com os homens, e em particular para contigo, que, não podendo já conter em si as chamas de sua ardente caridade, precisa derramá-las por teu meio, e manifestar-se-lhes para os enriquecer de seus preciosos tesouros, que eu te mostro, os quais contêm a graça santificante e as graças salutares indispensáveis para os apartar do abismo da perdição; e escolhi a ti, como abismo de indignidade e ignorância, para a realização deste grande desígnio, para que tudo seja feito por mim”.(17)
E acrescentou: “Se até agora não tomaste senão o nome de minha escrava, eu te dou o de discípula dileta do meu Coração”.
Graças especiais onde houver imagem do Coração de Jesus
Capela dos Padres Jesuítas de Paray-le-Monial.
É bem provável que a Segunda Grande Revelação — da qual, infelizmente, não se consignou a data — tenha ocorrido numa primeira sexta-feira do mês no ano de 1674.
Nosso Senhor lhe fez ver que “o ardente desejo que Ele tinha de ser amado pelos homens e de os retirar da via da perdição, onde Satanás os precipita em multidão, o havia feito formar esse desígnio de manifestar seu Coração aos homens. [...] Ele queria a imagem exposta e portada sobre mim, e sobre o coração, para aí imprimir seu amor e cumular de todos os dons de que ele estava pleno, e para nele destruir todos os movimentos desregrados; e que, em toda parte onde essa santa imagem fosse exposta para aí ser honrada, Ele aí espalharia suas graças e bênçãos; e que essa devoção era como um último esforço de seu amor, com que queria favorecer os homens nestes últimos séculos, desta redenção amorosa, para os retirar do império de Satanás”.(18)
“Excesso a que tinha chegado em amar os homens”
A data da chamada Terceira Grande Revelação não ficou registrada. Ocorreu provavelmente em 1674, num dia em que o Santíssimo Sacramento encontrava-se exposto. Margarida entrou em êxtase e viu Nosso Senhor Jesus Cristo “todo radiante de glória com suas cinco chagas, brilhantes como cinco sóis; e a sua sagrada humanidade lançava chamas de todos os lados, mas sobretudo de seu sagrado peito, que parecia uma fornalha. [...] Abrindo-o, descobriu-me seu amantíssimo e amabilíssimo Coração, que era a fonte viva daquelas chamas. Foi então que Ele me mostrou as maravilhas inexplicáveis do seu puro amor, e o excesso a que ele tinha chegado em amar os homens, de quem não recebia senão ingratidões e friezas”.(19)
“Eis o Coração que tanto amou os homens”
A mais conhecida de todas as revelações, e em certo sentido a mais importante delas, ocorreu segundo os estudiosos entre 13 e 21 de junho de 1675, dentro da Oitava da Festa do Corpo de Deus. Nosso Senhor, descobrindo-lhe o seu divino Coração, disse-lhe:
“Eis o Coração que tanto amou os homens; que a nada se poupou até se esgotar e consumir, para lhes testemunhar o seu amor. E em reconhecimento não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelos desprezos, irreverências, sacrilégios e friezas que têm para comigo neste Sacramento de amor. Mas o que é ainda mais doloroso é que os que assim me tratam são corações que me são consagrados. Por isso te peço que a primeira sexta-feira depois da oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para honrar o meu Coração, reparando a sua honra por meio dum ato público de desagravo e comungando nesse dia para reparar as injúrias que recebeu durante o tempo que esteve exposto nos altares. E Eu te prometo que o meu Coração dilatar-se-á para derramar com abundância o influxo do seu divino amor sobre aqueles que Lhe renderem esta homenagem”.(20)
Grande promessa da Comunhão reparadora
Religiosas do mosteiro rezam diante de desenho do Sagrado Coração - Fac-símile de oração escrita pela vidente em 1682
Embora fugindo à ordem cronológica da biografia de Santa Margarida Maria, parece-nos oportuno apresentar aqui a chamada Grande Promessa, revelada já no fim da vida da vidente de Paray-le-Monial: “Eu te prometo, na excessiva misericórdia de meu Coração, que seu amor todo poderoso concederá a todos aqueles que comungarem em nove primeiras sextas-feiras do mês, consecutivas, a graça da penitência final, não morrendo em minha desgraça e sem receber os sacramentos, tornando-se [meu divino Coração] seu asilo seguro no derradeiro momento”.(21)
Tantas graças da mais alta mística não podiam passar despercebidas, e refletiam-se no exterior de Margarida Maria, que andava como que transportada.

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