Interior da Basílica de Paray-le-Monial |
Posta assim na presença do Senhor, Ele “tão fortemente
absorvia o meu espírito, embebendo em Si a minha alma e todas as minhas
potências, que não cometia distração alguma; pelo contrário, sentia o coração
consumido em desejos de O amar. E daqui me nascia uma fome insaciável da Sagrada
Comunhão e de sofrimentos”.
A maior possibilidade de união com Nosso Senhor, que Ele
nos deixou na Terra, é a que se dá na Sagrada Comunhão, na qual recebemos
verdadeiramente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo. Daí a “fome
insaciável” que Margarida sentia da Sagrada Comunhão, encontrando diante do
Santíssimo Sacramento todas as suas delícias. Ali sentia-se “tão absorta, que
nunca me aborrecia. Ali passaria dias e noites inteiras sem comer nem beber, e
sem saber o que fazia, consumindo-me em sua presença como uma tocha acesa, para
pagar-lhe amor com amor”.(10)
Provada nas seduções do mundo e convidada pela
graça
Primeira capela dedicada ao culto do Sagrado Coração, nos jardins do mosteiro |
O segundo irmão, Carlos Felisberto, tendo concluído
igualmente os estudos, voltou para casa. Ele e a mãe conceberam então o plano de
casar Margarida, já com 17 anos. A família Alacoque era bem relacionada e
estimada em toda a região. E Margarida, sem ser rica, tinha o suficiente para um
dote digno. Ainda que não se destacasse por especial formosura, não deixava de
ter certos atrativos, sobretudo de espírito.
A pressão que fizeram sobre a adolescente foi terrível.
“Por fim, o terno amor da minha extremosa mãe começou a prevalecer. [...]
Comecei então a olhar para o mundo e a adornar-me para lhe agradar, procurando
divertir-me quanto podia”.
Mas, se ela era persistente em sua falta, Nosso Senhor
era persistente em sua misericórdia: “Depois, à noite, quando tirava aquelas
malditas librés de Satanás, isto é, os vãos enfeites, instrumentos da malícia
dele, aparecia-me o meu soberano Senhor, como na flagelação, completamente
desfigurado, fazendo-me terríveis queixas: que as minhas vaidades o tinham
reduzido àquele estado; que eu perdia um tempo tão precioso, de que Ele me havia
de pedir rigorosa conta à hora da morte; que o atraiçoava e perseguia, depois de
Ele me ter dado tantas provas de amor e me ter mostrado todo o seu desejo de que
eu me tornasse semelhante a Ele”.
Novos sofrimentos e ação da divina
misericórdia
A cena era pungente. E a alma de Margarida não era
insensível a tantas graças: “Tudo isto se imprimia em mim tão fundamente, e me
fazia tão dolorosas feridas no coração, que eu chorava amargamente; ser-me-ia
muito difícil explicar tudo quanto sofria e se passava em mim”.(11) Para
compensar, entregava-se ela às mais terríveis penitências.
E eis que faleceu quase repentinamente, em 25 de setembro
de 1665, Cláudio Felisberto, também na idade de 23 anos. Foi nova provação para
a família. Só restavam, além de Margarida, Crisóstomo, o penúltimo, e Jaime, o
caçula, que queria seguir a carreira eclesiástica.
Narra Margarida: “Estando como engolfada num abismo de
espanto, por ver que tantos defeitos e infidelidades minhas não eram capazes de
O afastar de mim, deu-me o Senhor esta resposta: ‘É que me apraz fazer de ti
como que um composto do meu amor e das minhas
misericórdias’”.(12)
Correspondendo à graça, define sua vocação
A intimidade com que Nosso Senhor lhe aparecia e falava é
de pasmar. Ela como que vivia na presença perceptível de Deus.
Entretanto, “porque era muito débil”, Nosso Senhor pediu
consentimento para se assenhorear de sua liberdade. “Não pus dificuldade nenhuma
em consentir; e desde então [Nosso Senhor] apoderou-se tão fortemente da minha
liberdade, que nunca mais gozei dela em todo o resto da minha
vida”.(13)
Isto, é claro, é um modo de dizer, pois Deus não tira a
ninguém o livre arbítrio. O que na realidade se dava é que Nosso Senhor
fortificava de tal modo a sua vontade, por meio de graças especiais, que esta já
não vacilava. O que corresponde ao máximo grau de liberdade, que é o conformar a
própria vontade livre com a soberana vontade de Deus. Livres, verdadeiramente,
não são os que pecam, mas os que, podendo fazê-lo, não o fazem.
Margarida resistiu durante três anos às pressões que lhe
faziam para casar-se. Com o auxílio de um missionário que pregava missões na
região, conseguiu finalmente convencer Crisóstomo e a mãe de que seu lugar era
no convento.
Entrada no convento e novos sofrimentos
Corredor do claustro do mosteiro, onde a Santa costumava executar trabalhos |
Margarida banhava-se em lágrimas, cuja razão ninguém
sabia explicar, parecia afogueada e meio fora de si; quebrava as coisas, e
parecia incapaz de qualquer serviço.
Ora, essa via mística não era própria do convento da
Visitação. Por isso, outras religiosas apontavam-lhe o comportamento como
singular, e as superioras ordenavam-lhe que se conduzisse como todas as outras,
sob pena de não admiti-la à profissão, o que causava grande perplexidade à
noviça e era nova fonte de sofrimentos.
“Eu
te farei mais útil à Religião do que ela pensa”
A aparição representada em vitral |
Ela decidiu favoravelmente sobre a profissão da Irmã
Margarida Maria.
Quando esta transmitiu-lhe uma mensagem de Nosso Senhor,
a Madre mandou-lhe que Lhe pedisse, como sinal de que era realmente Ele que
falava, que a tornasse útil à comunidade pela prática de suas regras.
“A isto – diz Margarida Maria – respondeu-me o Senhor
em sua amorosa bondade: ‘Pois bem, minha filha, tudo isto te concedo; e eu te
farei mais útil à Religião do que ela pensa, mas há de ser de uma maneira que
até agora só eu sei; de hoje em diante acomodarei as minhas graças ao espírito
da tua regra, à vontade de tuas superioras e à tua fraqueza; assim terás por
suspeito tudo o que se apartar da exata observância da tua regra, que eu quero
prefiras a tudo o mais”.(15)
Vítima do Sagrado Coração de Jesus
“Eu procuro uma vítima para meu Coração, a qual queira se sacrificar como um hóstia de imolação para o cumprimento de meus desígnios” - Santinho representando a Santa quando ainda Bem-aventurada |
Margarida protelava entretanto o pedido de permissão à
Superiora: “Mas era em vão que eu lhe resistia, porque Ele não me deu repouso
até que, por ordem da obediência, eu fosse imolada a tudo o que Ele desejava de
mim, que era de me tornar uma vítima imolada a toda sorte de sofrimentos, de
humilhações, de contradições, de dores e de desprezos, sem outra pretensão senão
cumprir seus desígnios”.(16)
Fez sua profissão no dia 6 de novembro de 1672. Como uma
esposa, Margarida deveria participar agora, de um modo mais direto, dos
interesses de seu divino Esposo, que a preparava para a grande missão de sua
vida: receber e propagar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
“Meu Coração está abrasado de amor pelos
homens”
Estando diante do Santíssimo Sacramento no dia 27 de
dezembro de 1673, Nosso Senhor lhe disse: “Meu divino Coração está tão abrasado
de amor para com os homens, e em particular para contigo, que, não podendo já
conter em si as chamas de sua ardente caridade, precisa derramá-las por teu
meio, e manifestar-se-lhes para os enriquecer de seus preciosos tesouros, que eu
te mostro, os quais contêm a graça santificante e as graças salutares
indispensáveis para os apartar do abismo da perdição; e escolhi a ti, como
abismo de indignidade e ignorância, para a realização deste grande desígnio,
para que tudo seja feito por mim”.(17)
E acrescentou: “Se até agora não tomaste senão o nome de
minha escrava, eu te dou o de discípula dileta do meu Coração”.
Graças especiais onde houver imagem do Coração de
Jesus
Capela dos Padres Jesuítas de Paray-le-Monial. |
Nosso Senhor lhe fez ver que “o ardente desejo que Ele
tinha de ser amado pelos homens e de os retirar da via da perdição, onde Satanás
os precipita em multidão, o havia feito formar esse desígnio de manifestar seu
Coração aos homens. [...] Ele queria a imagem exposta e portada sobre mim, e
sobre o coração, para aí imprimir seu amor e cumular de todos os dons de que ele
estava pleno, e para nele destruir todos os movimentos desregrados; e que, em
toda parte onde essa santa imagem fosse exposta para aí ser honrada, Ele aí
espalharia suas graças e bênçãos; e que essa devoção era como um último esforço
de seu amor, com que queria favorecer os homens nestes últimos séculos, desta
redenção amorosa, para os retirar do império de Satanás”.(18)
“Excesso a que tinha chegado em amar os
homens”
A data da chamada Terceira Grande Revelação não ficou
registrada. Ocorreu provavelmente em 1674, num dia em que o Santíssimo
Sacramento encontrava-se exposto. Margarida entrou em êxtase e viu Nosso Senhor
Jesus Cristo “todo radiante de glória com suas cinco chagas, brilhantes como
cinco sóis; e a sua sagrada humanidade lançava chamas de todos os lados, mas
sobretudo de seu sagrado peito, que parecia uma fornalha. [...] Abrindo-o,
descobriu-me seu amantíssimo e amabilíssimo Coração, que era a fonte viva
daquelas chamas. Foi então que Ele me mostrou as maravilhas inexplicáveis do seu
puro amor, e o excesso a que ele tinha chegado em amar os homens, de quem não
recebia senão ingratidões e friezas”.(19)
“Eis o Coração que tanto amou os homens”
A mais conhecida de todas as revelações, e em certo
sentido a mais importante delas, ocorreu segundo os estudiosos entre 13 e 21 de
junho de 1675, dentro da Oitava da Festa do Corpo de Deus. Nosso Senhor,
descobrindo-lhe o seu divino Coração, disse-lhe:
“Eis o Coração que tanto amou os homens; que a nada se
poupou até se esgotar e consumir, para lhes testemunhar o seu amor. E em
reconhecimento não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelos
desprezos, irreverências, sacrilégios e friezas que têm para comigo neste
Sacramento de amor. Mas o que é ainda mais doloroso é que os que assim me tratam
são corações que me são consagrados. Por isso te peço que a primeira sexta-feira
depois da oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular
para honrar o meu Coração, reparando a sua honra por meio dum ato público de
desagravo e comungando nesse dia para reparar as injúrias que recebeu durante o
tempo que esteve exposto nos altares. E Eu te prometo que o meu Coração
dilatar-se-á para derramar com abundância o influxo do seu divino amor sobre
aqueles que Lhe renderem esta homenagem”.(20)
Grande promessa da Comunhão reparadora
Religiosas do mosteiro rezam diante de desenho do Sagrado Coração - Fac-símile de oração escrita pela vidente em 1682 |
Tantas graças da mais alta mística não podiam passar
despercebidas, e refletiam-se no exterior de Margarida Maria, que andava como
que transportada.
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