sábado, 31 de março de 2012

Resolveu então consagrar-se a Nossa Senhora


Santa Margarida Maria Alacoque, a confidente do Coração de Jesus
Algumas mensagens do Sagrado Coração foram abordadas em nossa edição de junho de 2003. A presente matéria versa sobre a vida dessa santa, qualificada por Nosso Senhor como “discípula dileta do meu Coração”.

  • Plinio Maria Solimeo

Basílica românica de Paray-le Monial, edificada nos séculos XI e XII - Uma das aparições do Sagrado Coração à vidente(azulejo em Póvoa do Varzin - Portugal)
         No século XVII, o jansenismo — espécie de protestantismo mitigado, infiltrado dentro da Igreja — causava grandes danos entre os fiéis. Destruía nas almas a noção da misericórdia de Deus e da confiança filial que devemos ter em relação ao Pai Celeste, inculcando um temor desprovido de amor, inclinando os católicos a fugir dos Sacramentos, sobretudo da Sagrada Eucaristia.

Foi então que Nosso Senhor Jesus Cristo apareceu a Margarida Maria Alacoque, jovem religiosa da Ordem da Visitação, para transmitir sua mensagem de misericórdia e confiança, expressa no Coração humano e divino do Verbo Encarnado. O culto ao Sagrado Coração de Jesus obteve a partir de então grande impulso e alastrou-se por toda a Igreja. Infelizmente, com a descristianização geral, hoje essa devoção — aliás, como tantas outras — perdeu praticamente todo o seu sentido de adoração, reparação e petição, tão necessários nos nossos tempos.

A família de Santa Margarida Maria Alacoque
Margarida foi a quinta dos filhos de Cláudio Alacoque e de Felisberta Lamyn, e nasceu a 22 de julho de 1647. Foi batizada três dias depois, tendo como padrinho um primo de seu pai, o Padre Antônio Alacoque, e como madrinha a senhora Margarida de Saint-Amour, esposa do senhor de Corcheval, Cláudio de Fautrières.
Viviam com Cláudio Alacoque, além da mulher e filhos, a mãe viúva, Joana Delaroche; a irmã Benedita, casada com o primo Toussaint Delaroche, e seus quatro filhos; e sua tia-avó, Benedita Meulin, mãe de Toussaint.(1)

Cláudio, além de exercer o cargo de tabelião em Lhautecour, era juiz dos senhorios de Terreau, Corcheval e Pressy, e também notário ordinário de Terreau e Corcheval, o que lhe dava certa importância na vizinhança e fartura em casa. Por isso, era presença indispensável em quase todos os casamentos e batizados locais, seja na qualidade de padrinho, seja na de testemunha.
Preservada, desde o berço, da mancha de pecado atual
Veroscres, aldeia natal de Santa Margarida Maria, na Borgonha
Deus queria Margarida desde o berço só para Si. “Ó meu único Amor – narra ela em sua autobiografia –, quanto vos não devo eu, por vos terdes adiantado a mim desde a mais tenra infância, tornando-vos o senhor e possuidor do meu coração, apesar de bem conhecerdes as resistências que ele vos havia de opor! Logo que tive consciência de mim, fizestes ver à minha alma a fealdade do pecado, imprimindo em meu coração tanto horror a ele, que a menor mancha me era insuportável tormento; e para me moderarem na vivacidade da minha infância, bastava dizerem-me que aquilo consistia em ofender a Deus; isto logo me continha, e me apartava do que eu queria fazer”.(2)
Margarida teria uns quatro anos quando, a pedido da madrinha, foi morar com ela em seu castelo, em Beauberry. Queria a nobre dama, como era costume no tempo, cuidar da educação da afilhada.
Na capela de Corcheval, aos cinco anos de idade, “sem saber o que dizia, sentia-me continuamente impelida a dizer estas palavras: ‘Meu Deus, eu Vos consagro a minha pureza e Vos faço voto de perpétua castidade’”.(3)
Contemplativa desde a infância e devota de Nossa Senhora
Afirma seu primeiro biógrafo: “Desde a infância lhe ensinou o Espírito Santo o ponto capital da vida interior, comunicando-lhe o dom de oração. Seu maior prazer era passar horas inteiras em oração; quando não a encontravam em casa, iam à igreja, onde deparavam com ela imóvel diante do Santíssimo Sacramento”.(4)
No ano de 1654, Margarida, com oito anos, voltou para o lar paterno. Mas não para gozar por muito tempo da alegria da família reunida. Nesse ano morreu-lhe a irmãzinha Gilberta, e no seguinte o pai, aos 41 anos. Deixava a viúva com cinco filhos para cuidar (sendo que o caçula tinha apenas quatro anos), e uma situação econômica apenas equilibrada.

A senhora Alacoque colocou os filhos mais velhos em colégios, e Margarida como educanda no convento das clarissas mitigadas de Charolles.

Vendo sua precoce piedade, as monjas permitiram que fizesse a Primeira Comunhão aos nove anos de idade, quando o costume na época era aos doze. Afirma ela: “Esta comunhão derramou tanto amargor em todos os meus prazeres e divertimentos, que já não podia achar gosto em nenhum, apesar de os procurar com afã”.(5)
Sinal de predestinação é a devoção a Nossa Senhora. E Margarida sempre a teve desde os albores da razão: “A Santíssima Virgem teve sempre grandíssimo cuidado de mim, e a Ela é que eu recorria em todas as minhas aflições. Foi Ela que me apartou de perigos muito grandes”.
Antes mesmo de São Luís Maria Grignion de Montfort ter popularizado a devoção da Sagrada Escravidão a Nossa Senhora, Margarida consagrou-se a Ela como escrava.(6)
“Os ossos furavam-me a pele de todos os lados”
Nossa Senhora curou a vidente de grave doença, quando ela tinha 11 anos
Uma alma com uma vocação tão especial como a de Margarida Maria deveria seguir a trilha do sofrimento. Entretanto chegara ela aos 11 anos de idade sem praticamente ter conhecido de perto a cruz de Nosso Senhor. E Ele queria que sua filha predileta dela participasse.

Uma grave doença, que alguns diziam ser reumatismo, e outros paralisia, pôs a vida de Margarida em perigo, obrigando a família a retirá-la do convento e levá-la para casa. A doença durou quase quatro anos. A menina ficou semiparalítica e tão magra, que “os ossos furavam-me a pele por todos os lados”, e não podia andar. Os médicos esgotaram toda a sua ciência sem nenhum resultado.
Resolveu então consagrar-se a Nossa Senhora, prometendo-lhe que, se sarasse, seria uma de suas filhas. “Apenas fiz o voto – declara Margarida – fiquei logo curada da doença, com nova proteção da Santíssima Virgem, a qual tomou tão inteira posse do meu coração, que, olhando-me como filha sua, governava-me como coisa que lhe fora consagrada; repreendia-me por minhas faltas e ensinava-me a cumprir a vontade de Deus”.(7)
Sua mãe tinha-se despojado da própria autoridade
Casa onde nasceu a Santa.
Quando Cláudio Alacoque era vivo, devido à importância e prestígio de que gozava, todos viviam em paz em casa sob a autoridade paterna. Mas assim que ele morreu e Toussaint Delaroche tomou a direção dos negócios, sua mulher e sua sogra também se impuseram. E com tal tirania, que se tornaram as donas absolutas da casa: “Minha mãe tinha-se despojado da própria autoridade em sua casa, para a conceder a outras pessoas. [...] Não tínhamos, pois, nenhum poder em nossa casa, nem nos atrevíamos a fazer coisa alguma sem licença. Era uma guerra contínua; e tudo estava fechado à chave, de sorte que eu muitas vezes nem sequer encontrava com que me vestir para ir à Missa, senão pedindo touca e vestido emprestados”.(8)
Nosso Senhor queria dela, também nisso, uma virtude heróica: “Nem uma queixa, nem um desabafo ou ressentimento consentia Ele em mim contra aquelas pessoas; nem que eu permitisse que outros me lastimassem ou tivessem compaixão de mim”.(9)

Nenhum comentário:

Postar um comentário