Pe.
Cláudio la Colombière, diretor espiritual da santa
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Madre
de Saumaise ficava cada vez mais confusa no julgamento que deveria fazer de
Margarida Maria. Achava-a piedosa, obediente, dócil; entretanto não conseguia
interpretar os fenômenos místicos que se passavam com ela. Acreditava na sua
sinceridade, porém não tinha ciência teológica para julgar por si mesma o
espírito que guiava Margarida. Por isso, julgou prudente fazer com que ela
conversasse com alguns eclesiásticos e lhes expusesse o que com ela se passava,
para ver que opinião formariam dela. E especialmente com o Padre la Colombière,
recentemente nomeado diretor da casa dos jesuítas de Paray.
Logo em sua primeira preleção às monjas, ele notou uma
que o ouvia mais atentamente. A superiora informou-lhe que se tratava da Irmã
Margarida Maria. “É uma alma visitada pela graça”, comentou o jesuíta. Ao mesmo tempo, uma voz interior dizia a
Margarida: “Eis aquele que te envio”.(22)
Como os santos geralmente falam a mesma linguagem, o
Padre la Colombière e a Irmã Margarida Maria logo se entenderam. Por ordem da
Madre de Saumaise, “abri-lhe então, sem custo e com toda a lhaneza, o coração, e
descobri-lhe o íntimo de minha alma, o bem e o mal”, relata Margarida Maria em
sua autobiografia.(23)
Cláudio la Colombière representou assim a caução humana
das visões de Margarida Maria. Acontecesse o que fosse — e muita perseguição e
incompreensão ainda teriam lugar —, um fato irremissível estava posto: o jesuíta
afamado por sua prudência e segurança de juízo estava certo da autenticidade das
visões da Irmã Margarida Maria.
Nova Superiora prova Margarida Maria
Madre Péronne Rosália Greyfié chegou para
substituir a Madre de Saumaise, no dia 18 de junho de 1678. Ao contrário desta,
de grande simplicidade e amabilidade, a Madre Greyfié era rígida e austera, e
tomou o partido de fingir que ignorava tudo o que se passava com Margarida
Maria, deixando-a até ser objeto de críticas da comunidade, mesmo em coisas por
ela autorizadas. Entretanto, tinha-a em alta conta: “Eu notava ainda que as
graças que Nosso Senhor lhe concedia serviam para aprofundá-la no baixo
sentimento que tinha de si mesma, o que a fazia crer que todas as criaturas
tinham o direito de a desprezar e criticar em tudo, levando-a a amar como um
tesouro essas ocasiões, das quais ela teria querido somente excluir o que
ofendesse a Deus, afligindo-se de ser a causa
disso”.(24)
Nosso Senhor lhe
disse outro dia que, como havia feito em relação a Jó, o demônio pedira para
tentá-la “no cadinho das contradições e humilhações, das tentações e
desamparos, como o ouro no fogo”, e que Ele tudo permitira, exceto que a
tentasse contra a pureza; que Ele estaria em seu interior como fortaleza
inexpugnável, resistindo por ela. “Mas era necessário vigiar continuamente
sobre todo o exterior, que do interior cuidaria Ele”. Desde então o demônio
não lhe dava trégua, chegando mesmo, uma vez, a lançá-la do alto de uma escada
com um braseiro na mão. Mas seu Anjo da Guarda amparou-a e ela nada
sofreu.
“Não haverá quem queira padecer comigo?”
Indo um dia comungar, Margarida viu a
sagrada Hóstia resplandecente como um sol. Em seu centro estava Nosso Senhor
Jesus Cristo tendo uma coroa de espinho na mão. Colocou-a na cabeça de
Margarida, dizendo: “Toma, minha filha, esta coroa em sinal da que em breve
te será dada, para te assemelhares a mim”. A religiosa diz que no momento
não compreendeu o significado daquilo, mas que bem depressa o soube por duas
violentas pancadas que recebeu na cabeça, “de maneira que me parecia ter a
cabeça rodeada de pungentíssimos espinhos, cujas picadas não acabarão senão com
a minha vida”.(25)
Na proximidade da Quarta-feira de Cinzas, provavelmente
de 1681, Nosso Senhor apareceu-lhe depois da Sagrada Comunhão, “sob a figura de
um Ecce Homo, carregando a Cruz, todo coberto de chagas e pisaduras, escorrendo
o sangue por todo o corpo”. Disse-lhe: “Não haverá ninguém que tenha compaixão
de mim e queira padecer comigo e tomar parte na minha dor, no lastimoso estado a
que me reduzem os pecadores, sobretudo agora?”
A generosa Margarida Maria prosternou-se junto aos pés
divinos e ofereceu-se, em lágrimas e gemidos, para carregar a Cruz. Esta
pareceu-lhe toda cheia de pontas de prego, e ela sentiu-se quase sucumbir sob
seu peso. Com isso, diz ela, “comecei a compreender melhor a gravidade e malícia
do pecado, que eu detestava tanto em meu coração, e mil vezes preferia
precipitar-me no inferno em vez de cometer um só pecado
voluntariamente”.(26)
Mensagem ao “filho primogênito de meu
Coração”
Túmulo da
Santa em Paray-le-Monail – No detalhe, a face da vidente
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A
devoção ao Coração de Jesus ia fazendo seu caminho, dentro e fora dos muros da
Visitação. O Sagrado Coração queria entretanto muito mais. Desejava ser adorado
pelas elites, pela nobreza do país e do mundo, mas também que essa vitória
viesse por intermédio do mais poderoso monarca da época.
Assim, incumbiu a sua fiel serva de transmitir ao Rei da
França, Luís XIV — a quem chama afetuosamente “filho primogênito de meu
Sagrado Coração” — a seguinte mensagem: Queria associá-lo ao triunfo de seu
Sagrado Coração, prometendo-lhe, caso fizesse o que lhe era pedido, cobri-lo de
glória ainda nesta Terra, como a nenhum outro Rei, e por fim conceder-lhe a
glória do Céu.
Não sabemos se o augusto destinatário tomou conhecimento
da divina mensagem, nem se ela foi entregue ao confessor do Rei, Padre de La
Chaise. Uma coisa, entretanto, é certa: os pedidos do Sagrado Coração de Jesus
ao Rei Luís XIV jamais foram atendidos.
Não viveria muito mais, porque não sofria
mais
Uma nova superiora, Madre Catarina Antonieta de
Lévy-Châteaumorand, para aliviar ou para provar a Irmã Margarida, que apesar de
ter somente 43 anos já estava muito enfraquecida pelas penitências e longas
enfermidades, proibiu-lhe a hora de adoração noturna da quinta para a
sexta-feira e todas as austeridades que ela praticava, exigindo-lhe mesmo a
devolução dos instrumentos de penitência.(27)
No mês de junho de 1690, Margarida
dizia: “Eu não viverei muito mais, porque não sofro mais”. Com efeito, esta
santa, considerada uma das maiores místicas da Igreja, entregou sua bela alma a
Deus no dia 17 de outubro desse mesmo ano.
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