quinta-feira, 23 de agosto de 2012


6.9.06

O CRIME DO PADRE HOSANÁ

Aquilo nunca tinha acontecido no Brasil, pelo menos, ninguém tinha conhecimento de coisa tão assombrosa, tão fora de propósito; por isso, foi com espanto e estupefação que, no dia dois de julho de 1957, os brasileiros tiveram as primeiras notícias sobre o assassinato do bispo da cidade de Garanhuns, Dom Francisco Expedito Lopes (1914 - 1957), notícias essas que, com o correr dos dias, se tornaram um escândalo nacional e internacional devido ao inusitado do fato. Mais estupefactos todos ficaram quando a identidade do assassino logo foi divulgada: tratava-se de um padre; seu nome, Hosaná de Siqueira e Silva, pároco da cidade de Quipapá, pertencente à diocese daquela cidade.

Depois se soube que a rixa entre o prelado e o sacerdote já vinha de algum tempo. Tudo relacionado a um suposto romance proibido mantido por padre Hosaná com uma sua prima (ou sobrinha, conforme alguns relatos), Maria José Martins, que, inclusive, morava na casa paroquial. Todos em Quipapá sabiam do relacionamento dos dois, mas, como sempre acontecia em cidades do interior do país, a união era vista quase como normal, apesar de tudo ser comentado à boca pequena, já que o padre era conhecido por seu temperamento forte e desabrido. Padre Hosaná também era mal visto pela população devido ao fato de que, além de sua “vida pecaminosa”, tornara-se relapso com relação aos seus deveres eclesiásticos, deixando de rezar as missas na igreja de sua paróquia e nas capelas dos distritos vizinhos e preocupando-se mais com uma fazenda que possuía em um município próximo que com seu rebanho. Isso estava se tornando insuportável para os católicos da cidade, ou seja, praticamente toda a população.

Obviamente, quando o romance ficou mais escancarado, o bispo logo foi avisado. Chamado às falas, padre Hosaná negou o romance com a prima, dizendo-se vítima de "boatos de pessoas que querem me afastar da paróquia". Inflexível, o bispo exigiu o afastamento da moça, então já grávida, segundo os paroquianos da cidade, ameaçando suspender o sacerdote de suas funções religiosas. Acossado, Hosaná teve que se curvar á disposição de seu superior e transferiu a prima para outra localidade, não obstante continuar a negar a veracidade do fato.

Acontece que não demorou muito e a cidade foi invadida por novos boatos: o padre teria instalado uma substituta na casa paroquial – uma garota de nome Quitéria –, mais jovem e mais bonita do que a suposta prima anterior; a notícia se espalhou como um rastilho de pólvora, não demorando a chegar aos ouvidos de Dom Francisco, que, imediatamente, convocou seu subordinado para uma conversa franca e definitiva.

O bispo foi curto e grosso: disse ao padre que seu comportamento pecaminoso que escandalizava a cidade estava comprometendo o nome da igreja, não lhe deixando outra alternativa; além do mais, deu-lhe o prazo de quinze dias para que ele afastasse da casa paroquial a mulher que lá vivia, a tal de Quitéria. O padre não obedeceu. E no dia primeiro de julho de 57, em que seria publicado o ato episcopal suspendendo suas ordens sacerdotais, Hosaná, armado com um revólver Taurus, calibre 32, primeiramente se dirige à Rádio Difusora de Garanhuns, onde pretendia se defender das acusações do bispo que ele considera injustas. Entretanto, o pessoal da emissora, barra suas pretensões e se negam a lhe conceder seu direito de defesa. De caráter violento, sai transtornado do local e se dirige ao palácio Episcopal em Garanhuns para, mais uma vez, discutir com o bispo o que ele chamava de “perseguição” contra ele, alimentada, segundo ele e alguns amigos, pelas intrigas do sacristão Luís Gonzaga de Oliveira, carola de carteirinha.

A porta do palácio foi aberta pelo próprio bispo Dom Francisco Expedito Lopes. Aqui as versões se confundem; segundo alguns, assim que abre a porta, Dom Francisco Expedito foi fulminado pelos disparos, não esboçando nenhuma reação. Outros relatos dizem que, aberta a porta, os dois sacerdotes iniciaram uma discussão em altos brados. Quando o bate-boca estava no auge, o padre nem pestaneja, dispara três tiros à queima-roupa no bispo, foge do local e se entrega aos religiosos do Mosteiro de São Bento. O fato é que, tão logo foi baleado, Dom Expedito é levado às pressas para o hospital, mas não resiste aos ferimentos, morrendo na madrugada do dia seguinte. O caso, como não poderia deixar de ser abala Pernambuco, ganha manchetes de jornais em todo o Brasil, com repercussão até no exterior. Afinal de contas, depois se soube, esse tipo de assassinato nunca havia acontecido no país, havendo somente dois precedentes no mundo inteiro em dois séculos, um em Paris, em 1857, quando um padre de nome Louis Verge matou a punhaladas, na igreja de Santa Madalena o arcebispo Dom August Sibour, e um segundo acontecido na capital da Espanha, Madrid, em 1886, quando o abade Galleote Costela assassina a tiros o bispo de Madrid, Dom Martinez Izquierdo.

O padre assassino logo foi capturado pela Polícia e transferido para a casa de detenção de Recife. Não demorou e padre Hosaná recebeu a penalidade máxima de sua igreja: foi excomungado pela alta cúpula do catolicismo.

Enquanto isso, a história do assassinato do bispo ganhava a boca do povo e virava tema de reportagens, livros e até de folhetos de cordel. O primeiro cordel sobre o assunto, de autoria de um certo José Soares, com o título A Morte do Bispo de Garanhuns, foi publicado já aos cinco de julho do mesmo ano, no jornal Diário da Noite de Recife, ganhando após as ruas e as feiras, sendo vendido então, a preço de capa, por quatro cruzeiros. Merece ser transcrito pelo que representa do espírito da época. A transcrição é literal:

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