quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Henrique Soares da Costa


II. Provados pela vida miúda de cada dia
Amado por Deus, o povo de Israel foi engendrado de modo simples, por patriarcas que não possuíam sequer um lugar para viver e eram estrangeiros na terra; homens que viviam da esperança em Deus e que enchiam a pobreza do presente com a fé na fidelidade dAquele que prometera um futuro de bênção: “Abrão atravessou o país até o santuário de Siquém, até o carvalho de Moré. Naquele tempo estavam os cananeus no país. O Senhor apareceu a Abrão e lhe disse: ‘À tua descendência darei esta terra’. Abrão ergueu ali um altar ao Senhor, que lhe tinha aparecido. De lá se deslocou em direção ao monte que está ao leste de Betel, e ali armou as tendas, tendo Betel ao ocidente e Hai ao oriente. Construiu ali um altar ao Senhor e invocou o nome do Senhor. Depois, de acampamento em acampamento, Abrão foi até o Negueb” (Gn 12,6-9).
Israel seria engendrado nas crises das noites da fé e do misterioso modo de agir de um Deus vivo, que nos desconcerta porque é grande demais e não obedece aos nossos tempos, modos e metas, um Deus indisponível: “Depois destes acontecimentos, o Senhor falou a Abrão numa visão, dizendo: ‘Não temas, Abrão! Eu sou o escudo que te protege; tua recompensa será muito grande’. Abrão respondeu: ‘Senhor Deus , que me haverás de dar, se eu devo deixar este mundo sem filhos e o herdeiro de minha casa será Eliezer de Damasco?’ E acrescentou: ‘Como não me deste descendência, meu criado é que será o herdeiro’. Então lhe foi dirigida a palavra do Senhor: ‘Não será esse o herdeiro mas um de teus descendentes é que será o herdeiro’. E conduzindo-o para fora, lhe disse: ‘Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz!’ E acrescentou: ‘Assim será tua descendência’. Abrão teve fé no Senhor que considerou isto como justiça” (Gn 15). Assim foi pensado e concebido Israel: de um homem já marcado pela morte, de uma mulher cujo seio era estéril, sem vida. Aquele que faz brotar a vida no deserto iria fazer surgir deste casal um povo, o seu povo, numeroso como as estrelas do céu. A existência de Israel é, por si mesma, um grito: para Deus nada é impossível! Ele dá a graça a quem quer! E Israel terá de aprender, como nós também, a contemplar sua existência à luz da fé e, aí, discernir as pegadas amorosas de Deus.
É precisamente isto que a fé faz: transformar aquilo que aparentemente seria um absurdo ou uma banalidade num sinal velado de amor do Senhor. Se soubéssemos contemplar...
O Autor da Epístola aos Hebreus recorda com emoção esta origem sofrida e incerta: “Pela fé Abraão, ao ser chamado, obedeceu e saiu para a terra que havia de receber por herança, mas sem saber para onde ia. Pela fé morou na terra da promissão como em terra estrangeira, acomodando-se em tendas, do mesmo modo que Isaac e Jacó, co-herdeiros da mesma promessa. Porque ele esperava uma cidade fundada sobre alicerces, cujo arquiteto e construtor seria Deus. Foi na fé que morreram todos sem receber as promessas mas vendo-as de longe e saudando, confessando-se peregrinos e hóspedes na terra. Ao dizê-lo, dão a entender que buscam a pátria. Pois, caso se lembrassem da pátria de onde saíram teriam tido ocasião de retornar. Mas desejam outra melhor, isto é, a pátria celeste. Por isso Deus não se envergonha de se chamar seu Deus. De fato lhes tinha preparado uma cidade” (Hb 11,8ss.13-16).
Finalmente, este povo amado, prometido a Abraão, Isaac Jacó será gerado na dura prova da escravidão do Egito: “Surgiu um novo rei no Egito, que não tinha conhecido José, e disse ao povo: ‘Olhai como a população israelita está se tornando mais numerosa e mais forte do que nós. Vamos tomar precauções para impedir que continuem crescendo e, em caso de guerra, se unam também eles a nossos inimigos, e acabem saindo do país’. Estabeleceram, assim, capatazes para que os oprimissem com trabalhos forçados na construção das cidades de depósito do Faraó, Pitom e Ramsés. Os egípcios reduziram os israelitas a uma dura escravidão. Amarguraram-lhes a vida no pesado trabalho do preparo do barro e de tijolos, com toda sorte de serviços no campo, enfim, todos os trabalhos que eram forçados a fazer” (Ex 1,8-11.13s).
Se o Senhor é um Deus que ama, também se cala detrás da densa nuvem dos absurdos da vida e do pranto sofrido dos pobres: o povo geme debaixo do trabalho forçado, as criancinhas são assassinadas, a mãe de Moisés é obrigada a jogar seu filhinho no Nilo... Este silêncio de Deus é causa de escândalo, sobretudo hoje - no mundo da ciência, do debate, das mil respostas, dos questionamentos, do imediato e do mensurável! Diante deste Silêncio podemos ter somente três atitudes: o escândalo descrente, o cinismo sem esperança e a fé que ilumina as trevas e liberta, dando-nos força para a luta! Como não recordar as palavras de Kierkegaard? “Não permitas que esqueçamos: Tu falas, mesmo quando estás calado. Dá-nos esta fé, quando estivermos à espera da tua vinda! Tu calas por amor e por amor falas. Assim é no silêncio, assim é na palavra: tu és sempre o mesmo Pai, o mesmo coração paterno e nos guias com a tua voz e nos ensinas com o teu silêncio!”
Assim,

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